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Entrevista com um estudante da USAS

Andrés Aullet - Peter Michael (USAS)

Liga de Trabajadores por el Socialismo (FT - México)
01/03/03

Traduzido de PARTE DE GUERRA (www.ft.org.ar) em 10/03/03, por Val Lisboa

Durante um protesto de trabalhadores do campo contra uma cadeia de comida rápida (Taco Bell), no coração do imperialismo ianque, nosso companheiro Andrés Aullet, correspondente da Fração Trotskista - Estratégia Internacional nos EUA entrevistou o estudante Peter Michael, da USAS, quem nos fala sobre a luta dos jovens nos Estados Unidos contra a exploração e a guerra.

 

Andrés A.: Peter, conte-nos um pouco sobre a USAS...
Peter M.: Estudantes Unidos contra os Locais de Exploração (USAS, sigla em inglês) é uma rede de estudantes e indivíduos unidos pela causa comum de se opor ao poder das corporações. Apesar de que USAS se manifesta inequivocamente contra todo tipo de exploração, nós ganhamos nosso nome combatendo os abusos na indústria têxtil. A indústria de roupas que se vendem nas bancas de nossas universidades é um negócio que movimenta cerca de 3 bilhões de dólares ao ano.
Em meados dos anos 90, os estudantes começaram a reclamar às administrações das universidades que garantissem que as roupas com o logotipo da universidade fossem manufaturadas em condições justas. Universidades como Michigan State licenciam o direito de uso de seu logotipo para companhias como Nike e Reebok por milhões de dólares. Nós marcamos um precedente na história do movimento estudantil norte-americano, ao nos opor a que nossos centros de estudo respondam aos interesses das corporações passando por cima dos direitos trabalhistas básicos que são, ao final das contas, direitos humanos. Apesar de haver forjado um nome neste aspecto, não limitamos o termo "locais de exploração" à indústria têxtil; também combatemos a exploração dos trabalhadores do campo, no sistema carcerário, aos grupos marginais como os trabalhadores migrantes e qualquer outra forma de exploração em nosso campus ou comunidades, em nível local ou global.

 

Andrés: Por que estão protestando, hoje?
Peter: Entendemos que as condições de trabalho do campo, no estado da Flórida, para mencionar apenas um exemplo, vão desde os "sweatshop" velados à escravidão aberta. Se com a exploração nas maquiladoras se costuram as roupas que usamos, dizemos que seria melhor que andássemos nus do que usar as famosas marcas pelas condições de exploração de seus trabalhadores fora dos Estados Unidos. Marcas como GAP, Reebok, Liz Clairbore, Nike, Levis, par mencionar algumas. Com a Taco Bell dizemos que seria melhor ficar com fome do que comer seus tacos feitos com o suor e a exploração dos trabalhadores migrantes, aos quais se nega o direito a um plano médico, proteção no trabalho e a dignidade que um salário justo supostamente daria num sistema capitalista. Estudantes de mais de 70 universidades nos Estados Unidos e Canadá têm campanhas para criar zonas liberadas da Taco Bell. Ou seja, para que as administrações desses campus retirem a Taco Bell de todas as faculdades até que eles atendam as reivindicações dos trabalhadores.
Taco Bell é um bom exemplo de como o poder dos estudantes, como consumidores, funciona aqui nos Estados Unidos. Se um grupo de trabalhadores sem documentos vai protestar contra um restaurante da Taco Bell na UCLA, um dos mais respeitados centros docentes da Nação, estes trabalhadores seriam detidos e deportados imediatamente sem que ninguém soubesse seu paradeiro. Em troca, os protestos organizados pelos estudantes que pagam pela educação representam o pior pesadelo para as empresas de relações públicas, tanto da Taco Bell como da UCLA. Reprimir estudantes com a mesma intensidade que reprimiriam camponeses ficaria muito mal para a imagem que eles vendem de suas instituições, enraizadas no coração da comunidade. Os meios de comunicação massiva e a comunidade em geral normalmente não moveriam um dedo pelos camponeses, mas gritariam aos céus se soubessem que seus filhinhos queridos e apreciados foram presos num protesto em que se exigia justiça para os camponeses. A Taco Bell e qualquer outra corporação não resiste a semelhante pressão.
Os apanhadores de tomate, numa zona rural da Flórida conhecida como Immokalee, recebem em 2003 os mesmos salários que se pagavam em 1978. Aparentemente, os produtores de tomate nessa área têm uma concepção muito interessante do termo inflação, porque apesar de o que pagam aos trabalhadores não ter se alterado nos últimos 25 anos, o preço do tomate aumentou em 500%, desde então. Os trabalhadores simplesmente estão pedindo que lhes aumentem um centavo na libra de tomate que apanham, o que significaria quase duplicar o salário. Atualmente paga-se 40 a 45 centavos por uma cesta de 32 libras.
A razão pela qual pressionamos a Taco Bell é porque eles são os maiores compradores de tomate na área e, tal qual as marcas que fabricam nossas roupas, são responsáveis perante os consumidores de que os produtos que vendem estejam livres de exploração. A Taco Bell, porque investe milhões de dólares ao ano em publicidade, é mais sensível a uma campanha do que um desconhecido produtor de tomate em Immokalee, Flórida.

 

Andrés: Qual é o trabalho da USAS com os trabalhadores ou os sindicatos?
Peter: Tratamos de construir relações de solidariedade com os trabalhadores e organizações em defesa dos trabalhadores, sejam sindicatos tradicionais como UNITE ou grupos independentes como o Centro de Apoio ao Trabalhador no México ou a Coalizão de Trabalhadores de Immokalee. Entendemos que a luta pelos direitos dos trabalhadores está acima de qualquer diferença sectária. Nos concentramos mais em nossos pontos de convergência em vez de nossas diferenças ideológicas. Depois de colaborar com a USAS durante sua vida estudantil, muitos ex-alunos estão conectados de uma maneira ou outra com a luta pela justiça social, trabalhando como organizadores em sindicatos ou organizações comunitárias. Não exagero ao dizer que a USAS é um canteiro onde se criam os futuros líderes sindicais e comunitários.

 

Andrés: Qual é o trabalho que realiza a USAS para o México e outros países latino-americanos?
Peter: O México é o segundo país no mundo, depois da China, que possui zonas francas de exportação, conhecidas também como zonas maquiladoras. Não me vem à memória quantas existem, mas imagino que muito mais do que possa contar, e seria muito valoroso, acreditamos, que nosso trabalho em apenas uma das milhares de indústrias maquiladoras já estamos mudando o padrão numa indústria que para mim representa um retrocesso no avanço da humanidade. As maquiladoras não são muito diferentes do antigo sistema de plantação nos tempos da colônia, em que muitos produziam em condições de escravidão para que uns poucos pudessem viver como reis nas metrópoles. Mesmo que organizar duas fábricas no México e na República Dominicana possa representar o mesmo que dois copos de água no oceano, poderíamos dizer que são vitórias muito significativas nessas regiões porque se coloca um precedente para os trabalhadores e acreditamos que tem que ser um padrão a seguir pelos manufatureiros, já que uma vez que os trabalhadores provem a recompensa que existe em trabalhar para uma empresa com um sindicato independente não trabalhariam por menos que isso. Um exemplo disso é o que está passando em Puebla, México, onde ajudamos a organizar o primeiro sindicato independente na história da indústria têxtil no México. Um ano depois desta vitória, outros trabalhadores de outras fábricas na área estão exigindo de seus patrões os mesmos benefícios que os trabalhadores da fábrica sindicalizada. Isso coloca os donos das maquiladoras num sério dilema, porque para poder manter-se competitivos no mercado necessitam a melhor mão-de-obra que eles possam pagar ou então desaparecem. Soa cruel, mas é assim que funciona a lei de oferta e procura, tanto para os produtos que consumimos como para a força de trabalho que se contrata.
O México, por sua proximidade geográfica e pelos investimentos das corporações norte-americanas devido ao Tratado de Livre Comércio, está muito na mira do movimento trabalhista norte-americano e da USAS. No futuro imediato queremos estabelecer laços com grupos de estudantes de acordo com os ideais da USAS, no México em particular e na América Latina em geral, para que aprendamos mutuamente como nos opor às políticas neoliberais de nossos governos antidemocraticamente eleitos e combater sabiamente os tratados de livre comércio, sob qualquer nome que nos queiram impor.

 

Andrés: Qual sua opinião sobre a projetada guerra contra o Iraque?
Peter: Apesar de tudo o que se tem dito desta guerra inevitável, pelo controle do petróleo, eu daria um passo a mais e acrescentaria que esta guerra representa a decadência de um império que não consegue entender sua posição global. Mais que uma guerra movida somente por interesses econômicos e políticos, suas razões também estão enraizadas na arrogante e retrógrada visão do presidente Bush e seu gabinete que enxerga, e continua enxergando, os Estados Unidos como uma força moralmente correta no mundo, e isso torna a presente administração muito mais perigosa do que pensamos. Uma vez que se está convencido de que tem a razão moral e que seus inimigos são os vilões do filme ("evildoers", como Bush os chama em seus discursos), não há razões que lhe convença de que está equivocado.

 

Andrés: Como você considera o movimento que surge contra a guerra, e que perspectivas vê?
Peter: É um movimento sem precedentes porque é de base popular nos Estados Unidos e usualmente não estamos acostumados a ver isso neste país. Como disse Noam Chomsky, esta é uma nação governada sob um consentimento manufaturado. Ou seja, o presidente fala e os meios de comunicação massiva a serviço do sistema se encarregam de carimbar suas palavras como a última verdade sem nenhuma oposição. Apesar de que os meios nos Estados Unidos dão mais cobertura aos protestos contra a guerra fora dos Estados Unidos que no próprio país, mais e mais gente se soma diariamente ao movimento contra a guerra. Mais e mais pessoas buscam fontes de informação alternativa e cada dia mais organizações da sociedade civil (grupos religiosos, sindicatos, grupos de estudantes, grupos comunitários) se pronunciam contra a guerra em qualquer espaço disponível. O movimento contra a guerra e sua natureza de ser um movimento de base prova as discrepâncias desta mal chamada democracia onde os cidadãos pedem uma coisa e os governantes se fazem de desentendidos com essas exigências. Centenas de governos municipais, incluindo os das maiores áreas metropolitanas do país, têm aprovado resoluções contra a guerra. (Chicago e Los Angeles aprovaram e New York tem uma campanha em andamento.) A maior federação de trabalhadores, a AFL-CIO, aprovou uma resolução nesta semana opondo-se à guerra, e inumeráveis grupos religiosos também, e ainda assim a administração Bush finca o pé em oficializar uma guerra que nunca acabou porque continua havendo tropas de ocupação no Oriente Médio, desde 1991, e ataques aéreos quase diários, sem mencionar o desumano embargo contra o sofrido povo iraquiano. Creio que toda a energia do movimento contra a globalização tem sido enfocada contra a guerra e não há porque duvidar que, uma vez que passe esta situação, seja qual for o resultado, que ninguém pode prever, o movimento se traduzirá em mais gente se registrando para votar e votando nas próximas eleições contra um candidato com uma agente militarista e imperialista e, por sua vez, este belo movimento contra a guerra dirigirá novamente suas energias contra a globalização desumanizante.

 

Andrés: Você acredita que os jovens e os trabalhadores podem parar a guerra?
Peter: Creio que os jovens e os trabalhadores podem parar a guerra, não é uma opção, é uma obrigação moral. Dedico grande parte do meu tempo dentro da organização, e meu tempo livre, para criar consciência e educar outros em torno dos devastadores efeitos da guerra, não apenas porque creia que fazendo isso por si mesmo vá parar a guerra, mas porque é minha crença do que é correto e enquanto eu acreditar será o suficiente para me manter de pé nessa luta (irônica metáfora) contra a guerra. Até agora, a organização dos jovens tem provado ser mais efetiva, mais organizada e com mais conhecimento do que foi o movimento contra a guerra nos anos 60. Esta geração tem aprendido dos erros do passado e está evitando repeti-los. O movimento contra a guerra em organizações como a USAS está tão enfocado em opor-se à guerra como em descobrir formas com as quais possamos funcionar como uma sociedade mais plural e democrática. Por desgraça ou sorte, os promotores da guerra também têm aprendido dos erros do passado. Isso conteve, momentaneamente, um ataque imediato ao Afeganistão e está contendo um ataque ao Iraque, pois o governo, antes de planejar a guerra, primeiro planeja como vai reagir com os que se opõem à guerra.

 

Andrés: Você pode dizer aos jovens do México, Argentina, Brasil, Bolívia e o resto do mundo o que pensa sobre os protestos que eles estão realizando contra a guerra?
Peter: Desafortunadamente tem pouco efeito para fazer mudar o cabeça-dura governo americano, já que este se desculpa dizendo que esses protestos são movidos por ressentimentos contra os Estados Unidos em geral (caramba, quanto tempo demorou para a direita nos Estados Unidos descobrir que nem todo mundo está contente com seu arrogante imperialismo!), porém tem um grande efeito em seus governos locais, já que lhes faz lembrar que seus constituintes (contribuintes?) não querem que seus países sejam títeres dos Estados Unidos nas Nações Unidas. O mais importante de tudo é que a imprensa tradicional americana (New York Times, CNN, ABC, NBC, CBS) não está cobrindo os protestos que estão passando nos Estados Unidos, mas reservam grande cobertura ao que está passando fora do país. Para dar um exemplo, depois de haver cerca de 150 mil pessoas em Los Angeles (houve protestos em outras cidades) contra a guerra em 15 de fevereiro, a primeira página do L.A. Times do dia seguinte apenas trouxe uma foto da marcha contra a guerra em Londres. Isso exige mais dos cidadãos americanos contra a guerra porque eles estão vendo o exemplo em nossos irmãos de outros países, o que nos aproxima mais em unidade e luta.

 

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