Durante um protesto de trabalhadores do campo contra uma cadeia
de comida rápida (Taco Bell), no coração do
imperialismo ianque, nosso companheiro Andrés Aullet, correspondente
da Fração Trotskista - Estratégia Internacional
nos EUA entrevistou o estudante Peter Michael, da USAS, quem nos
fala sobre a luta dos jovens nos Estados Unidos contra a exploração
e a guerra.
Andrés A.: Peter, conte-nos um pouco sobre a USAS...
Peter M.: Estudantes Unidos contra os Locais de Exploração
(USAS, sigla em inglês) é uma rede de estudantes e
indivíduos unidos pela causa comum de se opor ao poder das
corporações. Apesar de que USAS se manifesta inequivocamente
contra todo tipo de exploração, nós ganhamos
nosso nome combatendo os abusos na indústria têxtil.
A indústria de roupas que se vendem nas bancas de nossas
universidades é um negócio que movimenta cerca de
3 bilhões de dólares ao ano.
Em meados dos anos 90, os estudantes começaram a reclamar
às administrações das universidades que garantissem
que as roupas com o logotipo da universidade fossem manufaturadas
em condições justas. Universidades como Michigan State
licenciam o direito de uso de seu logotipo para companhias como
Nike e Reebok por milhões de dólares. Nós marcamos
um precedente na história do movimento estudantil norte-americano,
ao nos opor a que nossos centros de estudo respondam aos interesses
das corporações passando por cima dos direitos trabalhistas
básicos que são, ao final das contas, direitos humanos.
Apesar de haver forjado um nome neste aspecto, não limitamos
o termo "locais de exploração" à
indústria têxtil; também combatemos a exploração
dos trabalhadores do campo, no sistema carcerário, aos grupos
marginais como os trabalhadores migrantes e qualquer outra forma
de exploração em nosso campus ou comunidades, em nível
local ou global.
Andrés: Por que estão protestando, hoje?
Peter: Entendemos que as condições de trabalho
do campo, no estado da Flórida, para mencionar apenas um
exemplo, vão desde os "sweatshop" velados à
escravidão aberta. Se com a exploração nas
maquiladoras se costuram as roupas que usamos, dizemos que seria
melhor que andássemos nus do que usar as famosas marcas pelas
condições de exploração de seus trabalhadores
fora dos Estados Unidos. Marcas como GAP, Reebok, Liz Clairbore,
Nike, Levis, par mencionar algumas. Com a Taco Bell dizemos que
seria melhor ficar com fome do que comer seus tacos feitos com o
suor e a exploração dos trabalhadores migrantes, aos
quais se nega o direito a um plano médico, proteção
no trabalho e a dignidade que um salário justo supostamente
daria num sistema capitalista. Estudantes de mais de 70 universidades
nos Estados Unidos e Canadá têm campanhas para criar
zonas liberadas da Taco Bell. Ou seja, para que as administrações
desses campus retirem a Taco Bell de todas as faculdades até
que eles atendam as reivindicações dos trabalhadores.
Taco Bell é um bom exemplo de como o poder dos estudantes,
como consumidores, funciona aqui nos Estados Unidos. Se um grupo
de trabalhadores sem documentos vai protestar contra um restaurante
da Taco Bell na UCLA, um dos mais respeitados centros docentes da
Nação, estes trabalhadores seriam detidos e deportados
imediatamente sem que ninguém soubesse seu paradeiro. Em
troca, os protestos organizados pelos estudantes que pagam pela
educação representam o pior pesadelo para as empresas
de relações públicas, tanto da Taco Bell como
da UCLA. Reprimir estudantes com a mesma intensidade que reprimiriam
camponeses ficaria muito mal para a imagem que eles vendem de suas
instituições, enraizadas no coração
da comunidade. Os meios de comunicação massiva e a
comunidade em geral normalmente não moveriam um dedo pelos
camponeses, mas gritariam aos céus se soubessem que seus
filhinhos queridos e apreciados foram presos num protesto em que
se exigia justiça para os camponeses. A Taco Bell e qualquer
outra corporação não resiste a semelhante pressão.
Os apanhadores de tomate, numa zona rural da Flórida conhecida
como Immokalee, recebem em 2003 os mesmos salários que se
pagavam em 1978. Aparentemente, os produtores de tomate nessa área
têm uma concepção muito interessante do termo
inflação, porque apesar de o que pagam aos trabalhadores
não ter se alterado nos últimos 25 anos, o preço
do tomate aumentou em 500%, desde então. Os trabalhadores
simplesmente estão pedindo que lhes aumentem um centavo na
libra de tomate que apanham, o que significaria quase duplicar o
salário. Atualmente paga-se 40 a 45 centavos por uma cesta
de 32 libras.
A razão pela qual pressionamos a Taco Bell é porque
eles são os maiores compradores de tomate na área
e, tal qual as marcas que fabricam nossas roupas, são responsáveis
perante os consumidores de que os produtos que vendem estejam livres
de exploração. A Taco Bell, porque investe milhões
de dólares ao ano em publicidade, é mais sensível
a uma campanha do que um desconhecido produtor de tomate em Immokalee,
Flórida.
Andrés: Qual é o trabalho da USAS com os trabalhadores
ou os sindicatos?
Peter: Tratamos de construir relações de solidariedade
com os trabalhadores e organizações em defesa dos
trabalhadores, sejam sindicatos tradicionais como UNITE ou grupos
independentes como o Centro de Apoio ao Trabalhador no México
ou a Coalizão de Trabalhadores de Immokalee. Entendemos que
a luta pelos direitos dos trabalhadores está acima de qualquer
diferença sectária. Nos concentramos mais em nossos
pontos de convergência em vez de nossas diferenças
ideológicas. Depois de colaborar com a USAS durante sua vida
estudantil, muitos ex-alunos estão conectados de uma maneira
ou outra com a luta pela justiça social, trabalhando como
organizadores em sindicatos ou organizações comunitárias.
Não exagero ao dizer que a USAS é um canteiro onde
se criam os futuros líderes sindicais e comunitários.
Andrés: Qual é o trabalho que realiza a USAS para
o México e outros países latino-americanos?
Peter: O México é o segundo país no mundo,
depois da China, que possui zonas francas de exportação,
conhecidas também como zonas maquiladoras. Não me
vem à memória quantas existem, mas imagino que muito
mais do que possa contar, e seria muito valoroso, acreditamos, que
nosso trabalho em apenas uma das milhares de indústrias maquiladoras
já estamos mudando o padrão numa indústria
que para mim representa um retrocesso no avanço da humanidade.
As maquiladoras não são muito diferentes do antigo
sistema de plantação nos tempos da colônia,
em que muitos produziam em condições de escravidão
para que uns poucos pudessem viver como reis nas metrópoles.
Mesmo que organizar duas fábricas no México e na República
Dominicana possa representar o mesmo que dois copos de água
no oceano, poderíamos dizer que são vitórias
muito significativas nessas regiões porque se coloca um precedente
para os trabalhadores e acreditamos que tem que ser um padrão
a seguir pelos manufatureiros, já que uma vez que os trabalhadores
provem a recompensa que existe em trabalhar para uma empresa com
um sindicato independente não trabalhariam por menos que
isso. Um exemplo disso é o que está passando em Puebla,
México, onde ajudamos a organizar o primeiro sindicato independente
na história da indústria têxtil no México.
Um ano depois desta vitória, outros trabalhadores de outras
fábricas na área estão exigindo de seus patrões
os mesmos benefícios que os trabalhadores da fábrica
sindicalizada. Isso coloca os donos das maquiladoras num sério
dilema, porque para poder manter-se competitivos no mercado necessitam
a melhor mão-de-obra que eles possam pagar ou então
desaparecem. Soa cruel, mas é assim que funciona a lei de
oferta e procura, tanto para os produtos que consumimos como para
a força de trabalho que se contrata.
O México, por sua proximidade geográfica e pelos investimentos
das corporações norte-americanas devido ao Tratado
de Livre Comércio, está muito na mira do movimento
trabalhista norte-americano e da USAS. No futuro imediato queremos
estabelecer laços com grupos de estudantes de acordo com
os ideais da USAS, no México em particular e na América
Latina em geral, para que aprendamos mutuamente como nos opor às
políticas neoliberais de nossos governos antidemocraticamente
eleitos e combater sabiamente os tratados de livre comércio,
sob qualquer nome que nos queiram impor.
Andrés: Qual sua opinião sobre a projetada guerra
contra o Iraque?
Peter: Apesar de tudo o que se tem dito desta guerra inevitável,
pelo controle do petróleo, eu daria um passo a mais e acrescentaria
que esta guerra representa a decadência de um império
que não consegue entender sua posição global.
Mais que uma guerra movida somente por interesses econômicos
e políticos, suas razões também estão
enraizadas na arrogante e retrógrada visão do presidente
Bush e seu gabinete que enxerga, e continua enxergando, os Estados
Unidos como uma força moralmente correta no mundo, e isso
torna a presente administração muito mais perigosa
do que pensamos. Uma vez que se está convencido de que tem
a razão moral e que seus inimigos são os vilões
do filme ("evildoers", como Bush os chama em seus discursos),
não há razões que lhe convença de que
está equivocado.
Andrés: Como você considera o movimento que surge
contra a guerra, e que perspectivas vê?
Peter: É um movimento sem precedentes porque é
de base popular nos Estados Unidos e usualmente não estamos
acostumados a ver isso neste país. Como disse Noam Chomsky,
esta é uma nação governada sob um consentimento
manufaturado. Ou seja, o presidente fala e os meios de comunicação
massiva a serviço do sistema se encarregam de carimbar suas
palavras como a última verdade sem nenhuma oposição.
Apesar de que os meios nos Estados Unidos dão mais cobertura
aos protestos contra a guerra fora dos Estados Unidos que no próprio
país, mais e mais gente se soma diariamente ao movimento
contra a guerra. Mais e mais pessoas buscam fontes de informação
alternativa e cada dia mais organizações da sociedade
civil (grupos religiosos, sindicatos, grupos de estudantes, grupos
comunitários) se pronunciam contra a guerra em qualquer espaço
disponível. O movimento contra a guerra e sua natureza de
ser um movimento de base prova as discrepâncias desta mal
chamada democracia onde os cidadãos pedem uma coisa e os
governantes se fazem de desentendidos com essas exigências.
Centenas de governos municipais, incluindo os das maiores áreas
metropolitanas do país, têm aprovado resoluções
contra a guerra. (Chicago e Los Angeles aprovaram e New York tem
uma campanha em andamento.) A maior federação de trabalhadores,
a AFL-CIO, aprovou uma resolução nesta semana opondo-se
à guerra, e inumeráveis grupos religiosos também,
e ainda assim a administração Bush finca o pé
em oficializar uma guerra que nunca acabou porque continua havendo
tropas de ocupação no Oriente Médio, desde
1991, e ataques aéreos quase diários, sem mencionar
o desumano embargo contra o sofrido povo iraquiano. Creio que toda
a energia do movimento contra a globalização tem sido
enfocada contra a guerra e não há porque duvidar que,
uma vez que passe esta situação, seja qual for o resultado,
que ninguém pode prever, o movimento se traduzirá
em mais gente se registrando para votar e votando nas próximas
eleições contra um candidato com uma agente militarista
e imperialista e, por sua vez, este belo movimento contra a guerra
dirigirá novamente suas energias contra a globalização
desumanizante.
Andrés: Você acredita que os jovens e os trabalhadores
podem parar a guerra?
Peter: Creio que os jovens e os trabalhadores podem parar a
guerra, não é uma opção, é uma
obrigação moral. Dedico grande parte do meu tempo
dentro da organização, e meu tempo livre, para criar
consciência e educar outros em torno dos devastadores efeitos
da guerra, não apenas porque creia que fazendo isso por si
mesmo vá parar a guerra, mas porque é minha crença
do que é correto e enquanto eu acreditar será o suficiente
para me manter de pé nessa luta (irônica metáfora)
contra a guerra. Até agora, a organização dos
jovens tem provado ser mais efetiva, mais organizada e com mais
conhecimento do que foi o movimento contra a guerra nos anos 60.
Esta geração tem aprendido dos erros do passado e
está evitando repeti-los. O movimento contra a guerra em
organizações como a USAS está tão enfocado
em opor-se à guerra como em descobrir formas com as quais
possamos funcionar como uma sociedade mais plural e democrática.
Por desgraça ou sorte, os promotores da guerra também
têm aprendido dos erros do passado. Isso conteve, momentaneamente,
um ataque imediato ao Afeganistão e está contendo
um ataque ao Iraque, pois o governo, antes de planejar a guerra,
primeiro planeja como vai reagir com os que se opõem à
guerra.
Andrés: Você pode dizer aos jovens do México,
Argentina, Brasil, Bolívia e o resto do mundo o que pensa
sobre os protestos que eles estão realizando contra a guerra?
Peter: Desafortunadamente tem pouco efeito para fazer mudar
o cabeça-dura governo americano, já que este se desculpa
dizendo que esses protestos são movidos por ressentimentos
contra os Estados Unidos em geral (caramba, quanto tempo demorou
para a direita nos Estados Unidos descobrir que nem todo mundo está
contente com seu arrogante imperialismo!), porém tem um grande
efeito em seus governos locais, já que lhes faz lembrar que
seus constituintes (contribuintes?) não querem que seus países
sejam títeres dos Estados Unidos nas Nações
Unidas. O mais importante de tudo é que a imprensa tradicional
americana (New York Times, CNN, ABC, NBC, CBS) não está
cobrindo os protestos que estão passando nos Estados Unidos,
mas reservam grande cobertura ao que está passando fora do
país. Para dar um exemplo, depois de haver cerca de 150 mil
pessoas em Los Angeles (houve protestos em outras cidades) contra
a guerra em 15 de fevereiro, a primeira página do L.A. Times
do dia seguinte apenas trouxe uma foto da marcha contra a guerra
em Londres. Isso exige mais dos cidadãos americanos contra
a guerra porque eles estão vendo o exemplo em nossos irmãos
de outros países, o que nos aproxima mais em unidade e luta.
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